Jornal LaoQiGong

I ENCONTRO ANUAL DE LAOGIGONG

Vila Madalena - São Paulo 25/11/07

Parte I

O Mestre Cai pergunta:: "O que a gente treina não tem forma, o que quer dizer isso"?

Fabio: Sentir o que seu corpo está fazendo, saber como ele se encaixa direito...tem que sentir e não decorar na cabeça uma fórmula e ficar repetindo.

Gilberto:..A forma não é fixa, ela tem que ser sentida, tem que ser vivenciada. Eu não entendo a não-forma como um mero improviso.

José: eu acho que a pergunta do mestre é mais do que isso. O que ele está falando é: o que a gente treina não tem sistema, não tem "bola", não tem nada, o que que é isso, então?

Vera: é, mas não ter método, não ter regra, já é um método.

José: é verdade. Aí você já está definindo, e é uma coisa que não dá para definir.

Helio: Não é que eu posso chegar lá e ficar sentado, tem um porquê a posição. Tem um ponto de partida.

Fabio: Acho também que falar que não tem forma é falar que cada um tem que achar sua própria forma.

Gilberto: você tem um princípio básico que é o Zhen Zhuan, cada um tem que achar o seu ponto, seria isso?

Vera: eu acho que dizer "o seu ponto" fica uma coisa muito individualista. Ele fala de conexão, de conter o todo, que eu acho interessante.

Estela: esse negócio da forma, você faz uma forma pra conceber que você não tem a forma.

Gilberto: Você tem um ponto de partida. E se você fica na forma, morreu, fica estagnado.

Fabiola: Do mesmo modo como a gente pode ver, numa imagem, a figura e o fundo, a gente prepara o corpo, a forma, para perceber o que não é a forma.

José: é difícil de ser interpretado porque a pessoa tem que chegar lá para poder entender.

Dirce: Eu venho da arquitetura onde sempre se vê a janela, a parede etc. Mas o importante é o que não é a parede; na verdade, o importante é a parte vazia.

Tobias: pelo que eu entendi, uma forma é uma coisa que tem um equilíbrio interno. O que não tem forma é o que não tem equilíbrio.

José: eu acho que é o contrário. O que não tem forma tem equilíbrio, é que a gente não consegue enxergar.

Estela: a gente tá falando de uma coisa que é a forma do corpo, né? A sensação que dá é que quando você expande a consciência, na verdade, nada tem forma.

Fabio: como se existisse uma linha divisória: ...como se fosse um espaço negativo: tudo em volta fosse você e você não é você, talvez.

Shifu: do que treinamos, qual é o efeito que nós queremos? Quando você faz um negócio, você quer dinheiro, você faz natação você quer saúde...então o que nós queremos? Não é no individual, é no grupo, o que nós queremos? Qual é o efeito que queremos?

José: Cada um pode querer uma coisa diferente, shifu.

Shifu: cada um pode querer uma coisa diferente, mas o efeito é igual. As ruas podem ser diferentes, mas a direção é igual.. O que nós queremos? Precisamos conversar sobre isso.A filosofia quer conhecer o pensamento....nosso tipo de treino quer qual coisa?

Tobias: acho que a gente quer saúde, bem estar.

Shifu: você já tem saúde, não precisa de treino. Isso é uma coisa que queremos, sim, mas não é o nosso objetivo principal.

Gilberto: Auto-conhecimento.

Shifu: o que é auto-conhecimento? O que é isso? Vamos conversar sobre isso. Então é claro que só o treino não pode crescer mais, precisa da teoria entrar na cabeça.

Dirce: é o equilíbrio que você vai conseguindo.

José: eu acho que a gente tenta descobrir uma coisa além do que a gente está acostumado a entender, coisas que.pra nós parecem triviais, como ficar na ponta do pé, por exemplo; o que importa é entender como é que a gente fica na ponta do pé.

Shifu: é tudo a mesma coisa, é o mesmo assunto. Precisamos ter claro. Assim sabemos como andar na rua. Assim, se você vai a Campinas, já sabe como vai a Minas.

Helio:...A gente quer saber como funciona a energia pra gente, independente do que queira cada um, existe esse objetivo.

Geisler: Eu tenho uma história de um mestre taoista que eu freqüento, que falou de 3 níveis: primeiro é o nível da forma, segundo é do Qi, terceiro é do vazio, do espiritual. Então, acho que se encaixa bem, é preciso ter a forma, depois desenvolver o Qi e depois é esse vazio de que ele fala.

Bertoldo: Nós ocidentais prezamos muito nossa parte sensorial. O que ele quer dizer é que o Qi gong está numa parte além do físico. Se você for pelo físico, nunca vai chegar ao Qi gong. Quanto ao grupo, pra nós no ocidente o difícil do grupo é ter um pensamento único, o grupo não é uma pessoa, o objetivo é chegar naquele objetivo que se propõe todo o grupo.

Lea: pra mim a forma vazia não tem sentido. A técnica existe para possibilitar o fluxo, no começo externo e depois interno. Pra começar vc está no infinito. É a independência o que quero, eu faço a minha parte. O fluxo energético me possibilita isso e é melhor do que não fazer nada.

José: o mestre fez duas perguntas. Primeiro: o que a gente treina não tem forma, o que quer dizer isso? Segundo: qual é onosso objetivo em treinar uma coisa que não tem forma, não tem sistema?

Fabio: preservar o conhecimento que está desaparecendo no mundo, né? Se vc chega nesse ponto, de não ter forma, não ter energia, então vc já tem o kung fu, não precisa de uma forma nova.

Estela: quando ele falou do auto-conhecimento. A gente se expressa na prática e aquilo não tem graça, aquele movimento não é harmônico. Então, como é que vc pode dar graça?.Só conhecendo a minha tendência de não ser harmoniosa. Assim, o treino mexe em outras coisas emocionais. Essa é a minha sensação do auto-conhecimento.

Gilberto: é isso mesmo, você vai achando os entraves de você mesmo, e as coisas boas também.

Shifu: Todo mundo falou mais ou menos certo. Mas precisamos falar mais fundo, mais avançado. Precisamos saber o que é o nosso modo de pensar. Dizer "o vazio" também é raso. Na verdade, nós não queremos nada. O vazio eu não quero, eu não quero nada. Por isso é que podemos dizer que o QiGong é o pai da filosofia, é além da filosofia. Não queremos nada. Nós queremos ganhar uma coisa, essa coisa é nada. Se você sabe isso, você entende o que é não ter forma, não ter sistema. O que vocês falaram é certo, mas precisam entender num nível mais alto, ou seja: não querer ganhar nada, não se pode ganhar uma coisa. Por isso é preciso, na prática, jogar coisa fora. Não se pode ganhar força, não se pode ganhar 'bola". É preciso jogar fora a coisa; se sentir alguma coisa, jogue fora, não pode guardar. Nisso o nosso caminho é diferente de outra filosofia, outra arte...mas eu acho que filosofia e arte em nível profundo é tudo assim. Trabalhar a música, saber música é básico. Mas quando você vai muito fundo, é grande mestre de música, não quer saber de música, não sabe música: Isso é música, num nível profundo. Nós também. O nosso efeito é não ter nada, não querer o vazio, não querer nada. Nada não é vazio. Voces entendem ou não? É difícil falar, precisa entender.

Todo ser humano quer isso, o budismo também quer...todos querem isso, e eles quase chegam lá. Sabendo isso, a gente sabe o que é budismo, o que é filosofia. Nosso problema é que a gente sempre quer uma coisa, o humano sempre quer coisas. Eu não quero nada, e isso também eu jogo fora. É muito difícil compreender isso. Por isso não tem vocabulário para expressar.

José: então, a resposta certa é "não sei"?

Shifu: isso não é só uma conversa teórica. Na prática também precisamos jogar fora coisa.O que é experimentar? Experimentar é não saber de nada, não ter nada...ao fazer o treino, já temos uma coisa, e isso, numa certa medida, é um problema. No treino, quando você achar que tem uma coisa, jogue fora, faça de novo, assim pode crescer. A gente fala muito, mas na prática, só quero saber isso. Se eu já tenho "bola", ficar treinando durante uma hora, é um erro. Só queremos que saibam isso. Por exemplo, o que é bater numa pessoa? Você pega a mão e leva lá. A gente precisa saber "como" a mão vai daqui pra lá. Isso é importante. É disso que precisamos saber. O corpo pode ter força, mas se você ficar na forma, a força não funciona. Se souber, "como" a mão vai daqui pra lá, quando levantar a mão, a pessoa cai, entende?

Se a gente não sabe a teoria, o corpo não pode ir fundo, não pode crescer. Igual como disse o Geisler, a respeito do taoista, que começa fazendo a bola, depois vazio...já tem "abcd", isso é a grande prisão, não é isso que queremos. Ou como a Lea disse: eu faço e me sinto bem. É certo, só não é fundo, entende? A gente faz, não pensa emfazer, mas já faz O mais importante do nosso pensamento é: não quero nada. Não quero nada, também não quero. Efeito não tem nada. Assim você pode sentir que o universo é você. É difícil sentir isso. Quando se fala do ilimitado, o que é o ilimitado? Só a imagem do ilimitado, não é. Ilimitado, vazio, tudo é a mesma coisa. Quando a gente sabe isso a gente pode ir mais fundo. Não tem a forma, depois chegou lá. Pára e faz de novo. Assim, músculos células podem funcionar. A gente é, na verdade,"movimento e parado". Nossa idéia não é novidade. A idéia é a mesma, só o fazer é diferente. Nossa vida tem no máximo o quê? 100 anos? 150 anos? A gente precisa, nesse tempo, fazer muita coisa, precisa de qualidade. Ao começar o treino, se em 30 segundos não mudar, está errado. Comer pouco é certo, não comer não pode, comer muito é doente, é a mesma coisa. Só queremos uma pequena coisa; o fazer é pequeno, o pensamento precisa ser alto, assim é certo. Nós treinamos pensando na forma, parece que a forma é você, como se vc fosse uma garrafa de vinho, o vinho tem que sair, o conteúdo precisa sair, você tem que sentir que a energia vai pra lá. A forma não pode ir junto, parece que os músculos, o sangue, vão para lá. Pra isso, precisa de muita concentração e sensibilidade. É como o tigre, você olha o tigre e tem medo porque ele está aqui e já foi lá, porque a energia dele já foi lá. Quando você, no treino, for lá e não conseguir mais, volte, aquele é o seu limite, naquele momento. A vida também é assim. Por que uma coisa começa interessante e depois a gente perde o interesse por ela? Porque você so quer o efeito, mas o efeito não é o importante. Nossa vida perde o interesse, porque a gente só quer o efeito. A praia é sempre igual, o caminho que leva à praia é que pode ser feliz. Ao chegar lá é quase sempre a mesma coisa. Por exemplo, você só quer ter uma namorada. Quando você consegue, perde o interesse, porque você pensa no efeito que é "ter uma namorada".

O treino não pode só querer o efeito, assim ele é duro, tenso. Ao passo que com mais kung fu, você pode se sentir cada dia maior. Isso é a natureza em nós, todo mundo tem, a gente só não sabe como abrir. Para isso é preciso sentir que em cima da cabeça tem uma coisa muito forte que você não quer que caia; você segura essa coisa pesada que empurra você pra baixo e você quer levantar. Você precisa dobrar e esticar, como uma mola, você é uma mola, para frente e para trás, também. Queremos que o nosso corpo seja uma mola. O pé entra no chão. A cabeça empurra algo pesado, como uma mola. A mola é força. Cada célula dobra e estica. O animal é assim, dois lados trabalham ao mesmo tempo. Nós queremos saúde e kung fu. Nós queremos sentir o conteúdo. É preciso se sentir como uma mola, como se cada articulação fosse uma mola, para se sentir cada dia mais forte, isso é saúde.